quarta-feira, 11 de junho de 2008

CANÇÃO DE NINAR PARA ARIEL


Ariel estava entediada. Mais do que isso: estava irritada. A baia de Copenhagen fica gelada nessa época do ano. Filha de múltiplos pais famosos – Hans, Walt, Edvard... nem por isso ninguém considera a mãe dela piranha. Mãe? Não há registro de mulheres na vida de Ariel. Talvez por isso mesmo a pequena sereia não tenha alma. Desde a primeira década do século XX, a imagem de Ariel está ali, sobre uma pedra perto do cais do porto da capital dinamarquesa. Para os marinheiros nórdicos, assim como para os fenícios, sereia, boa coisa não é. E assim, Ariel vai levando a vidinha, olhando o mesmo casario de sempre, com suas cores fortes ao longo da rua da praia. Nunca nada acontece. Imagine alguém, eternamente presa num corpo de bronze sem, sequer, poder perceber as coisas. Não só lhe falta alma. Ariel não sabe sentir. Minto. Por uma dessas maluquices do mundo da arte em metais, Ariel ouve. E, eventualmente, canta. Deleita-se com a sofisticação do guitarrista Sting, tocando um afinadíssimo alaúde, cujo som, parece acalmar a agitação do mar e dela própria. Depois disso, à noite, ela canta um canto tão lastimoso que, tudo ao redor, se fecha numa noite sombria, vazia como o coração de Ariel. Quantas e quantas vezes, o filósofo Kierkgaard aproxima-se dela e ficava horas dizendo que a vida não era uma dádiva, mas um fardo. Ninguém mais dava a mínima bola para o cantar lastimoso da sereia, literalmente, inanimada, a não ser naquele inverno de 1964 quando um marinheiro anônimo atribuiu a ela as suas frustrações e, com uma pancada certeira, arranca-lhe a cabeça com um remo. Nesse momento, começam a acontecer coisas estranhas na vida oca daquele bronze: há versões de que foi uma fada, mas outros afirmam que na verdade era uma bruxa. Enfim, do fundo do mar, Ariel apaixonou-se; nem por um humano como desejou Disney e Andersen, nem por um espantalho como quis o poeta Felipe. Mas, por um nome. De tanto gênio criativo atrás da sua concepção, Ariel amava nomes. Do fundo da sua angústia, algo lhe faltava. Então ela começou a percorrer o seu vazio. E descobriu que era impossível estabelecer relação com algo, cujo conceito, nem ela sabe o que é. Tomada por um estranhamento permanente que a torna irritadiça, deu de cara com a sua própria falta de sentido. Naquela noite, pediu ao povo, todo o silêncio possível: ela ia saber o nome do mal que a aflige desde o início. E, lá do fundo das águas frias do Mar do Norte, começa a ouvir um som doce e melodioso.
Nessun dorma!... Nessun dorma!...Tu pure, o Principessa,nella tua fredda stanzaguardi le stelle che tremanod'amore e di speranza!Ma il mio misteroè chiuso in me,il nome mio nessun saprà!No, no, sulla tua bocca lo dirò,quando la luce splenderà!Ed il mio bacio scoglieràil silenzio che ti fa mia!
Il nome suo nessun saprà...E noi dovrem ahimè, morir, morir
Dilegua, o notte! tramontate, stelle!Tramontate, stelle! All'alba vincerò!Vincerò! Vincerò!
Pequeno glossário.
A pequena sereia foi criada em 1836 por Hans Christian Andersen.
Em 1913, a prefeitura de Copenhagen inaugura uma estátua de bronze, esculpida por Edvard Eriksen, que se tornou tão famosa quanto a torre Eiffell é para Paris e a estátua da Liberdade é para Nova York.
Em 1964, um desconhecido decapitou a pequena sereia. Durante dois anos alguns dos melhores restauradores do mundo, trabalharam para refazer a estátua.
No começo da década de setenta, os estúdios Disney realizaram A Pequena Sereia, última animação feita a pincel, que exigiu a criação de mais de uma centena de novas cores. O filme mereceu um Oscar e é considerado um dos melhores da história depois de Fantasia .Nessun Dorma é a ária final de Turandot, a obra que consagrou Giacomo Puccini Luciano Pavarotti, morto de câncer no último dia 6 de setembro

A ópera estreou no Scalla de Milão em novembro de 1929. Graças ao trabalho meticuloso do libretista Giuseppe Adami, Turandot pode ser completada como a conhecemos hoje. Roberto Dupré – agosto de 2007

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