quarta-feira, 11 de junho de 2008

SONATINA PARA DOIS VIOLINOS


Sinistro. Em menos de vinte minutos de conversa entrecortada de preposições cintilantes e oh,oh,ohs pachorrentos, dava para entender o autoapelido. Sinistro. Não, amigos. Nem de perto pela aparência. Apesar dos cabelos cor-de-faca-cromada e das sombrancelhas ralas, com dois tufos negros apontados, permanentemente para o céu. Sinistro se tinha como sinistro.Sinistro acreditava nos seus super poderes sinistros, adquiridos numa infância sinistra, repleta de baudelaires Verlaines, Lorcas e todas as outras tristezas do mundo. Ao seu modo,era assim que gostava, desde aquela tarde cinzenta em que fora assistir il cuore. A mãe metafórica e todo o resto de todas as outras realidades, debulham-se em choro até hoje. A mãe, não, que, graças a deus, morreu. Mas o mundo inteiro virou uma lembrança dolorosa de milhares de italianinhos órfãos, confinados num navio, chorando e gritando Mamma! Mamma! Quando a sessão terminou, até a aguardada pipoca doce estava amarga. Dali em diante, pelas mãos da avó foi uma sucessão de verdis, puccinis e lágrimas, lá em cima, nos balcões quase de graça do Theatro municipal. A isso ainda se somaram histórias fantásticas de como os milaneses tomaram, na porrada, a cidade em mãos dos austríacos, depois de ouvir o coro dos escravos, no último ato de Nabucodonosor. Até hoje, aos primeiros acordes de vá pensiero, é tomado de súbito furor revolucionário. E sai por aí, dando pancada em todo mundo. Acontece que, os atônitos passageiros que vão ao seu lado não querem nem saber. E Sinistro volta com seu aguerrido gene libertário impregnado de Chianti, Valpolicelli; Negroni e malincolia. Muita malincolia para uma pessoa só. Para uma celinha mínima no fundo do PS da Lapa. Até que se acalme. Ou que a última provocação do mais recente desafeto ocupe a cabeça dele, até explodir. E, então, do fundo das pedras do castelo deEl senor, ouviu o rugido do rei ferido: O mundo está fora dos eixos. Oh! Maldita sorte!... Por que nasci para colocá-lo em ordem?..." - Hamlet, I. E, mais ao fundo ainda, um hesitante hidalgo espanhol: "..é o meu ofício e exercício andar pelo mundo endireitando tortos, e desfazendo agravos" - D.Quixote. Roberto Dupré - agosto de 2007

Nenhum comentário: